27 outubro, 2014
25 outubro, 2014
16 maio, 2013
A AVE
Estava
sentado em minha poltrona, lendo e tentando esquecer a amada que não está entre
hostes celestiais e sim, goza de lascívia alegria em sua nova morada.
Eu tremia
de frio e tristeza, sem nenhuma poesia para enfeitar a ocasião. Foi quando aquela
terrível besta – fruto de um ventre ignóbil – invadiu o meu salão.
Com um
ruflar assombroso, perscrutou cada lugar. E, finalmente, encontrou um que
considerou conveniente pousar.
Não
sobre o busto de Atenas, mas em cima da urna de minha mãe, bem longe dos
umbrais.
A negra
ave de tempos ancestrais escancarou seu bico e quando pensei que iria amaldiçoar-me
com um grito de “Nunca mais!”, surpreendeu-me, pois desaguava negro vômito
sobre o chão. E meu receio em ouvir “Cras! Cras!” era inimigo de minha ambição.
A massa
disforme e pútrida que a besta vomitara era o resumo de minha vida e a Ave profetizava:
“Tu serás feliz jamais!”. Espanei o ar c’as mãos, “Vai-te daqui, besta
agourenta. Deixa-me com meus ‘ais!’”.
Sofro
por ela que me esqueceu, antes fosse Leonor, pois de presente só tenho a dor,
já que o amor pereceu.
Olhou-me
firmemente, e em seus olhos que nada negavam, pude ver os meus.
Por
fim, entendi que as Trevas já me abraçavam e não adiantava gritar por Deus.
A
loucura, tantas vezes invocada, tomava a razão.
Estava sozinho, não
havia Ave alguma. Somente a solidão.
29 abril, 2013
A DANÇA*
Três pancadinhas na porta.
Ela perguntou quem batia, mas não
obteve resposta. Perguntou novamente. Nada.
Mais três pancadinhas.
Sem muita paciência abriu a porta. Assustou-se,
pois era seu marido. Ele não era dado a esse tipo de brincadeira. Na verdade,
de brincadeira nenhuma! Estava sempre com um ar aborrecido e impaciente. Mas
não hoje.
Uma das mãos escondia algo atrás, nas
costas. Sorriu e estendeu-lhe um buquê.
Ela ficou parada olhando...
- Não vais pegar?
- Oi?! – perguntou atônita.
- Não vais pegar o buquê? Não te agradam
essas flores?
- Sim, sim! Claro! Desculpe-me! Entre.
- Depois de você, querida.
“Querida”?! Ele não a chamava assim
desde... Desde muito tempo!
Entrou. Colocou as flores em um vaso.
- A noite está linda, não?! –
perguntou-lhe com um ar excitado.
Ela, mais uma vez, ficou sem saber o
que responder. Ele sempre chegava reclamando de tudo: trânsito [mesmo que não
houvesse], calor, economia do país, do patrão ou do subordinado ou qualquer
outra coisa que fosse possível! Mas, naquela noite, estava sorridente e
atencioso. Então, restou a ela apenas acenar com a cabeça confirmando que a
noite estava mesmo bonita.
Sem jeito, saiu da sala para deixá-lo
só assistindo a TV, como gostava. Na cozinha, foi surpreendida com ele ao seu
lado estendendo a mão para fazer-lhe um carinho.
- A noite está realmente linda! Não
queres passear? – perguntou carinhosamente.
Definitivamente, ela não entendia o
que acontecia com seu esposo, mas resolveu aproveitar toda aquela simpatia e
assentiu. Correu até o quarto para trocar-se. Abriu o guarda-roupa e fitou o
longo vestido vermelho que há muito não usava. Segurou-o e seu cheiro invadiu o
quarto.
Ele a esperava na sala. Quando ela
apareceu à porta, era outra mulher. Belíssima em seu longo vestido decotado. Os
olhos dele brilharam, foi até ela e beijou-lhe a mão e ofereceu-lhe o braço
para que ela segurasse.
Passeavam na praça como um casal de
jovens cheios de amor e graça.
Algum tempo depois, perceberam que já
era tarde e não havia mais ninguém lá, mas não sentiam vontade de ir embora.
Após alguns abraços calorosos seus
corpos começaram, lentamente, a mover-se de um lado para o outro. Ao som do
silêncio, dançaram como nunca antes ousaram fazer.
Ela lembrou-se de quando os dois,
ainda namorados, dançavam nas festas de família. Recordava do som dos bandolins
tocados por seu pai e irmão. Lembrou-se de sua juventude e de seu sonho em ser
bailarina, mas por amor, abandonou o sonho para ficar ao lado do esposo. No
entanto, ali, ela girava, girava, girava, apertava seu corpo contra o dele e
depois rodopiava.
Aos beijos, abraços e gritos de
felicidade os dois faziam juras de amor eterno um ao outro. Os vizinhos
acordaram com tanto barulho e, aos poucos, acendiam as luzes de suas casas e abriam as janelas
para ver o que a acontecia e a praça ficou iluminada, mas ninguém foi capaz de
repreender aquele casal apaixonado que transbordava amor.
Quando, ao longe, a alvorada despontava, o dia
parecia amanhecer em paz.(*) conto inspirado nas músicas "Valsinha" e "Bandolins".
09 abril, 2013
O BICHO-DEUS
Vi ontem um bicho
Na imundície do templo
Catando fé entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não questionava se era sincero:
Apertava contra si com voracidade.
O bicho não era um pobre,
Não era um deficiente,
Não era um homem.
O bicho, meu caro, era Deus.
[da série "Desconstruindo Grandes Poemas". A partir do poema "O Bicho" de Manoel Bandeira]
08 março, 2013
SOU MULHER!
Sou Eva
Sou
Maria
Sou
Madalena
Sou
menina
Sou
dama
Sou
briguenta
Sou
maliciosa
Sou diva
Sou
birrenta
Sou mãe
Sou
irmã
Sou
filha
Sou
força
Sou
ninfeta
Sou feminina
Sou a
que apanha
Sou a
que chora
Sou a
que bate
Sou amor
Sou dor
Sou de verdade
Sou amor
Sou dor
Sou de verdade
Sou
travesti
Sou
prostituta
Sou santa
Sou
dessas
Sou
daquelas
Sou tantas...
06 janeiro, 2013
METAMORFOSE
Comprei
teu perfume e, à noite, borrifo sobre a cama.
Ouço
todas as tuas músicas preferidas. Até as qu’eu mais odeio.
Refaço vários
caminhos outrora percorridos por ti.
Adquiri
todos os teus vícios.
De
repente, transformei-me em ti. E só então entendi por que me deixaste.
19 dezembro, 2012
NO LUGAR CERTO
Cansei de te procurar nas músicas, filmes ou entre as pedras de gelo que ficam no fundo do copo, e bati em sua porta...
27 novembro, 2012
POBRE POETA
Como já dizia o poeta
E o que dizia era poesia
Sendo poesia,
E o que dizia era poesia
Sendo poesia,
Não dizia,
Declamava.
E quando declamava
Todos dormiam.
30 outubro, 2012
CONFLITO
Para ler ouvindo "Nocturne Op. 9 nø 2" de Chopin:
http://www.youtube.com/watch?v=YGRO05WcNDk
http://www.youtube.com/watch?v=YGRO05WcNDk
- Você sempre estará bem guardado no meu coração. – e assim, ela desligou.
Ele permaneceu sentado olhando para o telefone. Pensou se aquele era o
momento de apagar o contato dela da agenda. Depois “espanou” a ideia como quem
afugenta um inseto. “Uma muriçoca”, ela diria.
De nada adiantaria, pois ele tinha aquele número impregnado nele assim
como o perfume dela, o sorriso, o jeito que arrumava o cabelo e tantas outras
coisas.
Quando finalmente conseguiu levantar só tinha em mente um único lugar
para ir: um bar.
Nunca recorreu à bebida para “resolver” problemas, mas, tinha a certeza,
que só a bebida acalmá-lo-ia.
Como a pessoa sensata que era, começou elencar todos os prós e contras
daquela relação e chegou ao cruel resultado de um empate.
Tanto a amava, quanto a odiava. Tanto precisa dela, quanto queria viver
só.
A dor, sua velha companheira, estava lá, fazendo-o remoer toda
possibilidade de felicidade não vivida. Queixar-se de tudo que tentou e ela não
permitiu. Arrepender-se de tudo o que ela quis e ele negou-lhe.
“Vou-me embora desta cidade!”, pensou num rompante como única
possibilidade de fuga do sofrimento.
“De que adianta ir embora daqui, se carrego comigo meu coração!”,
constatou derrotado pela certeza de um longo e doloroso sofrimento.
Lembrou mais uma vez de seu sorriso e perguntou-se se ela estaria
sorrindo naquele momento... E foi quando teve a revelação: tudo o que mais
queria, era a felicidade dela. Portanto, se ela – em algum lugar – estava
sorrindo e feliz naquele instante, ele também deveria estar feliz.
Ergueu o copo, brindou à felicidade dela, tragou a bebida – que lhe pareceu
insípida –, pagou a conta, levantou-se e saiu.
01 outubro, 2012
VINTE ANOS DEPOIS...
Era o encontro de "Vinte Anos Depois" da turma de Administração de 92. Menos da metade da turma original estava ali.
Quatro amigos - inseparáveis, à época - estavam, durante todo o encontro, inseparáveis, conversando sobre tudo!
- Bem, depois da formatura… Trabalhei numa exportadora, casei, separei, casei, fui promovido, separei, fui demitido, fui contratado numa multi, casei e fui promovido.
Todos soltaram um "humm…" como se tivesse sido ensaiado.
- Eu… Entrei pra uma multi, viajei, viajei, viajei, casei, viajei, viajei e voltei pra presidir a multi aqui.
- Hmm… Abri minha empresa, casei, separei, casei, separei, casei, separei, casei, separei, casei com a terceira de novo e separei… Quase falido só de pagar pensão.
Todos riram.
- Depois da formatura… Continuei morando com meu pais. Moro até hoje. Sou sustentado por eles.
Silêncio.
- Vida louca, hein?! - um deles comenta.
- Ô! Agitada… - reponde ele.
Quatro amigos - inseparáveis, à época - estavam, durante todo o encontro, inseparáveis, conversando sobre tudo!
- Bem, depois da formatura… Trabalhei numa exportadora, casei, separei, casei, fui promovido, separei, fui demitido, fui contratado numa multi, casei e fui promovido.
Todos soltaram um "humm…" como se tivesse sido ensaiado.
- Eu… Entrei pra uma multi, viajei, viajei, viajei, casei, viajei, viajei e voltei pra presidir a multi aqui.
- Hmm… Abri minha empresa, casei, separei, casei, separei, casei, separei, casei, separei, casei com a terceira de novo e separei… Quase falido só de pagar pensão.
Todos riram.
- Depois da formatura… Continuei morando com meu pais. Moro até hoje. Sou sustentado por eles.
Silêncio.
- Vida louca, hein?! - um deles comenta.
- Ô! Agitada… - reponde ele.
Uma Aliança Frágil
Igual a todos os dias, logo após acordar
Esbraveja contra todos os deuses, coisas, seres e pessoas.
(Nesta escala de importância).
Ainda deitado acessa o seu computador e percebe
Que o seu amigo de longa data, fugitivo dessa cidade e
apreciador das coisas tristes, está fazendo aniversário.
Como todo os anos anteriores, observa
que a quantidade de mulheres que o felicitam
é considerável e diria animador,
mesmo não havendo a capitalização deste recursos.
mesmo não havendo a capitalização deste recursos.
Indolente, como este dia que teima em iniciar,
Atualiza sua agenda e vê que esqueceu o aniversário
de duas amigas, risca a tarefa como se fosse concluída
e remarca para o próximo ano.
Após as tarefas matutinas realizadas,
Resolve ligar para o seu amigo, após piadas internas
Atualiza sua agenda e vê que esqueceu o aniversário
de duas amigas, risca a tarefa como se fosse concluída
e remarca para o próximo ano.
Após as tarefas matutinas realizadas,
Resolve ligar para o seu amigo, após piadas internas
e algumas heresias ditas, recebe uma confidência:
- Cara, só recebi ligações do meu pai e sua.
Reflete consigo: "Cara, andas mal de amigo"
Outro telefone toca e ele acelera a conversa,
enfim está acordado.
- Cara, só recebi ligações do meu pai e sua.
Reflete consigo: "Cara, andas mal de amigo"
Outro telefone toca e ele acelera a conversa,
enfim está acordado.
28 setembro, 2012
SONETO DO AMOR CABAL
Cheiro de suor, bebida e esperma
O quarto é pequeno e sufocante
Deitada na cama me espera
Minha mais sincera amante
Me recebe com ar de candura
Com força, beijo minha amada
Seu corpo, invado sem mesura
Gemendo, ela mexe a cada estocada
Seu sexo me deixa extasiado
Dentro dela, fujo de toda dor
Após o gozo, permaneço deitado
Sem cerimônia, ela cobra seu valor
Aponta para a porta ao lado
“’Cê precisa ir, tenho mais clientes, meu amor.”
16 julho, 2012
04 julho, 2012
UM NOME PRA CHAMAR DE MEU
-
Moça, um momento, ‘cê escreveu seu nome errado.
-
Onde?
-
Aqui, ó. Colocou um... Como chama mesmo esse negocinho?
-
Apóstrofo.
-
Esse daí não era o que seguia Jesus?
-
Não, esse [na verdade, “esseS”] era “apóstolo”. Esse daqui é “apóstrofo”.
-
Ah, ‘tá. Bem, em todo caso, ‘cê colocou um a-pós-tro-fo no seu nome.
-
Sim. E não ‘tá errado. Meu nome é assim mesmo.
-
“L’aura”?!
-
É.
-
E como pronuncia?
-
“Laura”.
-
Do mesmo jeito como se não tivesse?
-
É
-
E por que tem, s’é a mesma coisa?!
-
Coisa dos meus pais.
-
Humm... Sabia que seu nome pode dizer muito de você, da sua personalidade?
-
Acho meio difícil, já que não fui eu quem escolheu esse nome.
-
Ah, mas ‘cê tem um segundo nome, “Maria”. Poderia usar esse, mas prefere o
“L’aura”.
-
‘Tou habituada a ser chamada por esse nome desde sempre.
-
Sim, mas e a adolescência? Foi a sua chance de se revoltar contra todos!
Principalmente contra tudo que seus pais lhe deram.
-
Moço, nunca vi motivo pra me revoltar contra meus pais. E eu gosto do meu nome
do jeito qu’ele é.
-
Viu? O seu nome diz muito da sua personalidade.
-
O senhor poderia, por favor, me entregar o canhoto de comprovação de inscrição?
‘Tou apressada.
-
Aqui ó.
-
‘Brigada!
- De nada e até mais... Maria!
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