16 maio, 2013

A AVE


Estava sentado em minha poltrona, lendo e tentando esquecer a amada que não está entre hostes celestiais e sim, goza de lascívia alegria em sua nova morada.
Eu tremia de frio e tristeza, sem nenhuma poesia para enfeitar a ocasião. Foi quando aquela terrível besta – fruto de um ventre ignóbil – invadiu o meu salão.
Com um ruflar assombroso, perscrutou cada lugar. E, finalmente, encontrou um que considerou conveniente pousar.
Não sobre o busto de Atenas, mas em cima da urna de minha mãe, bem longe dos umbrais.
A negra ave de tempos ancestrais escancarou seu bico e quando pensei que iria amaldiçoar-me com um grito de “Nunca mais!”, surpreendeu-me, pois desaguava negro vômito sobre o chão. E meu receio em ouvir “Cras! Cras!” era inimigo de minha ambição.
A massa disforme e pútrida que a besta vomitara era o resumo de minha vida e a Ave profetizava: “Tu serás feliz jamais!”. Espanei o ar c’as mãos, “Vai-te daqui, besta agourenta. Deixa-me com meus ‘ais!’”.
Sofro por ela que me esqueceu, antes fosse Leonor, pois de presente só tenho a dor, já que o amor pereceu.
Olhou-me firmemente, e em seus olhos que nada negavam, pude ver os meus.
Por fim, entendi que as Trevas já me abraçavam e não adiantava gritar por Deus.
A loucura, tantas vezes invocada, tomava a razão.
Estava sozinho, não havia Ave alguma. Somente a solidão.

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